
Waldir Pollack, 78 anos, agricultor orgânico e pesquisador autodidata, chegou a Paracatu de Baixo, distrito de Mariana (MG), em 1987. Muitos anos antes de o rompimento da barragem do Fundão despejar cerca de 60 milhões de metros cúbicos de rejeitos de minério de ferro na região, destruir sua moradia, investimentos e o trabalho de anos.
Edilma Duarte
Ele trocou a vida urbana por um pedaço de terra depois que sua esposa recebeu um diagnóstico de câncer. “Disseram que ela viveria no máximo dois anos”, lembra. Inconformado, decidiu investigar as causas da doença e descobriu um inimigo invisível: os agrotóxicos presentes nos alimentos do dia a dia.
Fomos encontra-lo instalado em uma casa nova, fruto da indenização. Ali, Waldir trabalha de sol a sol na reestruturação da área de 19,5 hectares onde cultiva legumes, verduras, chás orgânicos, cria abelhas, produz mel e própolis.
De consumidor a pesquisador
Após o diagnóstico e a sentença de morte, com a ajuda de um oncologista vizinho e uma rede de médicos no Brasil e no exterior, Waldir passou a investigar. Decidiram pesquisar os alimentos que consumia. Em Belo Horizonte levava amostras compradas em feiras para análise na UFMG.
“Os produtos estavam todos com substâncias acima do tolerado.” Adubos químicos, conservantes e hormônios aplicados nos animais revelaram ameaças silenciosas à saúde.
“A gente achava que estava comendo bem… e estávamos era nos envenenando”
A escolha por recomeçar no campo

Uma terra limpa, uma vida nova – Ao procurar um terreno onde pudesse plantar sem veneno, encontrou em Paracatu de Baixo um solo livre de contaminações. “A terra era usada para carvão, ninguém plantava nada por perto.”
No sítio de 19,5 hectares ele começou a estudar produção orgânica do zero.
A cura que virou caminho
Com mudanças drásticas na alimentação, sua esposa viveu muito além da previsão médica. “Tinha vida normal. Depois de um tempo, a gente até esqueceu de fazer exames. Ela viveu 15 anos e com qualidade”, atesta Waldir. Quando o câncer voltou, ela faleceu 23 dias após ser internada. Mas a dor da perda não freou seu compromisso com a terra e com a saúde.

Multiplicando conhecimento
Da terra para a sala de aula- Waldir compartilha o que aprendeu com estagiários e agricultores vizinhos. “Ensino e também oriento projetos em outras propriedades.”
Em Araponga, ajudou um criador de gado a recuperar o pasto por meio do plantio de árvores. “Hoje ele sustenta mais de 200 vacas onde antes havia muita terra e pouco verde.”
Cursos e palestras que inspiram
Nos cursos promovidos após o desastre da barragem do Fundão, até engenheiros e técnicos da Vale do Rio Doce participaram. Waldir também foi convidado para congressos e palestras. Em Aracaju, durante um congresso universitário, sua fala foi estendida por mais 20 minutos devido à grande repercussão. “No almoço, fui cercado de gente querendo saber mais”, recorda.
Um recomeço possível, apesar de tudo
O rompimento da barragem do Fundão, em 2015, levou embora tudo o que Waldir havia construído com décadas de trabalho. Mas não destruiu sua convicção. Realocado com apoio da Fundação Renova — extinta no fim de 2024 — ele continuou plantando e ensinando, mesmo diante de contradições verificadas nos espaços urbanos dos assentamentos, como o choque entre as casas modernas, muradas e a simplicidade da vida no campo. “A gente quer terra pra plantar, não muro pra cercar“.
Com sua história, Waldir mostra que saúde, dignidade e resistência podem florescer mesmo em solo revirado por tragédias.